23 de abr. de 2007

Publicado em Senhor F, 17 de março. Primeira parte enviada no dia 13. Segunda parte, "Fora do Eixo, dia 2: um passeio sensorial", enviada no dia 14.

Veja a cobertura dos dois primeiros dias do festival que agitou São Paulo

* Pedro Acosta

A primeira noite de Festival Fora do Eixo em São Paulo não levou muitos ao Inferno. Nesta segunda-feira, estavam vazios não só o clube, como também a rua onde ele fica. Na boêmia Rua Augusta, nada dos produzidos roqueiros que marcam o lugar nos fins-de-semana. Apenas alguns letreiros em néon anunciando clubes onde se pode "tomar uma breja com a mulherada bonita", como apregoam em eufemismo seus porteiros. Nas calçadas, eventualmente, pares de pernas e decotes esperando pela lenta clientela.

Dentro do inferninho estilizado (luzes vermelhas, detalhes em pelúcia com estampa de oncinha), uma parte do público preenche esparsamente o espaço livre em frente ao palco. Outra, se instala nas almofadadas cabines com mesa, à moda das lanchonetes americanas.

O clube abre por volta de 0:30. O horário previsto era 22:00 e o atraso serviu para juntar o público à porta da casa. Em grande parte, membros de bandas e jornalistas.

Fuzzly

"Daqui de cima não dá pra ver ninguém", diz o guitarrista do Fuzzly, sugestivamente chamado Dark. A frase, dita pelo meio do show, talvez seja a melhor definição da apresentação. De calças puídas e camisetas envelhecidas, guitarrista e baixista fazem o show todo debruçados sobre seus instrumentos, os cabelos longos e bagunçados cobrindo-lhes o rosto.

Logo, as músicas vão se transformando em temas, grudando-se umas às outras, não deixando espaço para o silêncio. Os espectadores ocasionais são afastados pela performance fechada. Os poucos fãs parecem entrar na viagem junto com a banda. "É melhor se você estiver chapado", comenta em entrevista o baixista Hugo. Talvez isso explique.

Quase no fim do show, o baterista Rafael já sem camisa, os fotógrafos e cinegrafistas debruçam-se sobre o palco. Tentam ver melhor Dark, que agora letargicamente rola pelo palco. Assim encaminha-se para o fim o primeiro show da noite. Cheio de mudanças de andamento e momentos climáticos - o som puxado pela guitarra rasgada e grave - interrompidos apenas por Dark resmungando, num tom também grave, as letras ao microfone.

Johnny Suxx n' The Fucking Boys

"Não é porque todo mundo é veado que é glam". Johnny Suxxx dispara a pérola ao ser perguntado sobre a existência de uma cena glam no Brasil. Minutos antes, ele havia participado de uma espécie de tributo ao estilo, num encontro de divas. Para tocar "20th Century Boy" (T. Rex), Johnny chamou ao palco Daniel Belleza e Marvel (Cabaret).

Momentos antes, o performático vocalista estava sentado no palco com as pernas cruzadas, pedindo (e conseguindo) que seu guitarrista lhe escarrasse na boca. Agrados aos fotógrafos como esse apimentam o rock setentista do conjunto, muito relacionado a MQN e Daniel Belleza & Os Corações Em Fúria (mesmo tendo letras em inglês). No fim, o show de Johnny Suxxx serviu como ponte entre o stoner do Fuzzly e o electroclash do Montage.

Montage

A ausência de uma bateria acústica denuncia aos ouvidos uma mudança radical no rumo da noite. Tendência da estação, as calças afuniladas do produzido público em frente ao palco também servem para anunciar mudanças. A dança frenética e quase tribal de quem assiste ao show, mais tarde, vai explicar que não se trata de uma banda de rock. Ou não somente.

A dinâmica do Montage baseia-se em uma massa sonora sendo lançada de um groovebox, à qual se juntam elementos punks: uma guitarra violenta e violentada e um vocal que grita insistentemente coisas como "raio de fogo, eu preciso de você" (num dos sucessos da noite).

De cima de suas botas de salto alto, o vocalista Daniel primeiro tira a camiseta regata. Depois, o shortinho listrado em preto e branco. Ao fim, rasteja de sunga, engatinha pelo palco e um show é um sucesso. E por que não seria?

Fora do Eixo, dia 2: um passeio sensorial

Em sua segunda noite, o Festival Fora do Eixo deixou a histórica Rua Augusta, chegando á Barra Funda. O bairro, na Zona Oeste de São Paulo, tem crescido na preferência do público roqueiro da cidade. Os shows desta terça-feira aconteceram na estilosa Casa Belfiori. O clube tem estilo retrô, com direito a globos de espelho no teto e cortinas vermelhas no fundo do palco.

Tal cenário emoldurou apresentações cheias de climas sonoros, as quais levaram o público por uma jornada de sensações. O Quarto das Cinzas (CE), Mezatrio (AM) e Macaco Bong se apresentaram para uma platéia de aproximadamente 150 pessoas, de acordo com a organização do evento. O número bastou para preencher (ainda que esparsamente) o clube.

O Quarto das Cinzas

O fluido vestido quase-branco de Laya contra o fundo vermelho do palco coloca a vocalista d'O Quarto das Cinzas como uma aparição. Seus movimentos amplos e suaves reforçam o langor do som do grupo, que ecoa pela Belfiori sem dificultade. Etiquetas como "trip hop" e "lounge" talvez ajudem a defini-lo.

Seja na expressão plácida de Laya, ou nas batidas eletrônicas que aparentam sair de lugar nenhum (mas saem dos dedos do também guitarrista Carlos Eduardo), a origem do som da banda por vezes se esconde. O Quarto das Cinzas parece "fazer música com os olhos", como diz um de seus poéticos versos.

O público mostra-se positivamente surpreso. Talvez pela falta de conhecimento prévio acerca do conjunto. Talvez arrebato pela presença de Laya, muito assediada após o show. Provavelmente embarcando na viagem sonora proposta pelo trio (completo com o baixista Rafael), que encontra porto seguro numa versão de "Panis et Circenses" (de Caetano Veloso e Gilberto Gil, do repertório dos Mutantes).

Mezatrio

Se durante o show d'O Quarto das Cinzas o som parecia sair de lugar nenhum, na apresentação do Mezatrio, ele parece vir de toda parte. O sexteto enche o palco. Na platéia, espalhada pelo salão, alternam-se focos de maior ou menor atenção.

O tom grave do vocalista Paulo Lins trabalha melodias que ecoam o rock brasileiro do começo dos anos 80. As três guitarras do conjunto dialogam com um teclado cheio de efeitos. O Mezatrio parece buscar a intensidade emocional (e sonora) de bandas dos anos 90 como Muse, Radiohead e Weezer.

Impossível não notar: pelo menos nas feições e no jeito de apoiar a guitarra em uma perna ligeiramente levantada, Paulo Lins lembra muito Marcelo Camelo.

Macaco Bong

A disposição dos móveis na Casa Belfiori não separa um espaço do salão especialmente para a platéia dos shows: a pista é a casa toda. Talvez por isso, às vezes o público parece se entreter mais consigo mesmo, o show passando de atração principal para música ambiente. Mas não com o Macaco Bong.

Os corpos eretos, voltados para o palco, os olhares atentos parecem revelar que os espectadores ali acreditam que uma apresentação do trio mato-grossense é certeza de intensa viagem sonora. No palco, o esguio Bruno Kayapy faz suas habituais contorções corporais e de rosto, comparáveis às reações de dor e prazer do sexo.

De volta à platéia, surgem bateristas de ar e guitarristas de ar, como se não bastasse simplesmente assistir. O produtor Bruno Montalvão define com precisão o elogiadíssimo show. "É como se os caras se perseguissem no palco", diz, "é um som perseguindo o outro. É o encontro da música", completa.

* Pedro Acosta é jornalista e colaborador de Senhor F.

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